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Cadê a graça nisso?

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Hoje fui marcada em um vídeo que foi compartilhado no perfil de uma influenciadora famosa de uma menina que deve ter seus 6, 7 anos chorando horrores porque estava com saudade das comidas preferidas. Não vou botar o vídeo aqui justamente porque não quero ajudá-lo a viralizar ainda mais, mas para quem ainda não viu, isso é basicamente tudo que vocês precisam saber sobre ele.

Sei lá quais são suas comidas preferidas, mas foi impossível não associar essa cena à um outro vídeo que viralizou pela internet há alguns meses. Nele, uma outra menina bem mais nova, também chorava copiosamente, dessa vez porque o “bucho” dela estava enorme. Em ambos os casos me dói demais ver duas meninas tão novas sendo expostas na internet em um contexto onde é engraçado sofrer pelo padrão.

descanse em paz, estereótipos e envergonhar as outras mulheres por causa de seus corpos.

descanse em paz, estereótipos e envergonhar as outras mulheres por causa de seus corpos.

Eu sei, se você riu de um desses videos é porque provavelmente você se identificou. Provavelmente você já olhou no espelho, para o seu próprio “bucho”, e teve vontade de gritar e chorar por ele não estar do jeito que você queria. Talvez você também já tenha se sentido a pessoa mais infeliz do mundo por estar em uma dieta restritiva, e tenha sentido vontade de chorar por saudade de comidas que foram proibidas. E com certeza você sabe que essas duas reações seriam consideradas exageradas vindas de uma mulher adulta. Porque o mundo que adoece mulheres por causa do padrão é o mesmo mundo que manda todo mundo engolir o choro, porque viver de dieta ou insatisfeita com a sua imagem não deveria ser considerado um sofrimento e sim incentivo para dedicação, foco, força e fé.

É uma tensão tão grande viver de dieta, de proibições e de insatisfação com a própria imagem que quando vemos uma reação exagerada (e totalmente verdadeira, a meu ver) que é socialmente aceitável, a gente acha graça. Mas no fim das contas é triste demais. É a gente rindo de crianças que tiveram seu sofrimento exposto na internet e encaixando-as no que a gente acredita que aconteceu.

Não temos noção do contexto do vídeo. Não sabemos se a comida preferida da menina é tomate e brocólis, não sabemos se ela não pode comer sua comida preferida porque descobriu que é alérgica, mas vemos o vídeo já imaginando que ela está falando de pizza e brigadeiro e que está de dieta, sem nem questionar se isso é apropriado para a sua idade. Não sabemos se o choro pelo bucho grande foi apenas um ataque específico da idade (Arthur dá uns ataques inexplicáveis tipo aqueles) ou se ela está reproduzindo algo que ela ouve em casa com frequência. Mas existe uma explicação para esses vídeos que viralizam serem sempre estrelados por meninas: porque a pressão para o corpo perfeito atinge a gente infinitas vezes mais do que meninos.

E cara, a gente fala tanto sobre sororidade por aqui que me irrita ver mulheres compartilhando esse tipo de conteúdo e achando graça dele. NÃO! Mil vezes NÃO! Dar espaço para uma menina que ainda é uma criança e que chora porque está de dieta ou odiando sua barriga é cruel com elas e com a gente também, que permanece presa nesse padrão e achando muito engraçado sofrer. E sofrer para o quê? Para chegar em um corpo que muitas vezes não vai se sustentar a longo prazo porque simplesmente estamos indo contra a nossa natureza?

Odeio ter que falar sobre isso mais uma vez, mas sei que vai ter gente lendo isso aqui e pensando que estou demonizando as dietas ou quem quer se encaixar no padrão. Não é isso, e mais uma vez repito que se a pessoa se sente bem vivendo de dieta ou fazendo milhares de exercícios para ter o corpo perfeito, que seja feliz! Não estou aqui para fazer ninguém se sentir mal por suas escolhas de vida, só quero focar que reproduzir uma menina chorando é um desserviço para todas as mulheres. É um desrespeito à criança e um desserviço à todas as mulheres que vão ver aquilo, rir e achar que tá tudo bem continuar se odiando e sofrendo.

Nunca esqueço quando a Camilla Estima me contou que muitas de suas pacientes que hoje procuram se curar de transtornos alimentos e procuram uma forma de comer com tranquilidade e sem culpa entraram nesse mundo de dietas e proibições por volta dos 8 anos. Mulheres que adoeceram porque acreditaram a vida inteira que atingir a magreza era a coisa mais importante do mundo. E por mais que deseje muito  que cada uma dessas meninas que viralizam na internet cresçam saudáveis de corpo e de mente, paralelamente, não consigo deixar de pensar que estamos aí, compartilhando as próximas pacientes da Camilla e que estarão lotando consultórios de psicólogos e psiquiatras em um futuro próximo.

E agora me contem…isso tudo é engraçado mesmo?

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